12 de dez. de 2018

Botar pra fora coisas que não devem mais ficar

Ela sempre curtiu aquela banda. Desde o primeiro momento em que a ouviu. O ritmo era pegajoso. As frases, as vezes soltas e caóticas, as vezes melódicas e harmoniosas. A faziam dançar e decorar as letras. Não à força, mas porque não poderia mais viver sem dançá-las ou cantá-las.

E por isso, quis eternizar a banda em sua pele. Estava numa fase de decorar seu corpo. Sua alma transbordava, a obrigando a passar as cores pra pele.

O símbolo no cotovelo, todo em preto, com uma frase ao redor. Não a sua favorita, como seria de se imaginar. Mas a que mais amava cantar (e a canta até hoje).

A mãe, que não entendia sua necessidade de transbordar e eternizar (era muito esquecida, então eternizar era um jeito de nunca esquecer) ficou braba. Xingou, criticou, humilhou. Era véspera da formatura da mãe. Era uma data importante pra menina, que sempre quis que a mãe conquistasse sua independência e se livrasse das amarras do patriarcado. Mas a mãe a ameaçou, disse que não queria que a menina fosse em sua formatura com aquilo na pele.

A menina chorou, muito. Se revoltou, gritou, lamentou, dormiu mal. Dois monstros lutavam uma luta enorme em seu interior. Um queria ser amado, queria ser querido. O outro queria ser quem nasceu pra ser, queria ser diferente, queria rebeldia.

O primeiro ganhou.

E a menina pesquisou desesperadamente um jeito de arrancar o desenho de sua pele. Esfregou limões, lixou com esponjas e pedras, e nada do desenho sair. Maldito, acho que estava na alma mesmo. A pele vermelha e irritada, dolorida e sensível de tanto ser esfregada. A menina passou uma tarde toda tentando. Mas de nada adiantou.

A menina chorou um pouco mais, mas acabou aceitando a vitória tardia do segundo monstro, com medo, mas também com certo prazer.

A menina foi na formatura da mãe. Sua pele sarou e voltou ao normal. Mas, assim como o desenho, os machucados nunca saíram da sua alma.